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19 de janeiro de 2012

Alma lavada


Esta semana a chuva fez estragos na minha cidade. Não exatamente a chuva pesada, mas os ventos. Telhas voaram metros e metros, muitas árvores desabaram, postes tombaram, ficamos sem luz por quase de dez horas. A cobertura da passarela de uma ponte ficou toda retorcida pela força das rajadas. Cheguei em casa e meu filho ainda se recuperava dos sustos que tomou – uma de nossas gatas ficou na jabuticabeira durante toda a chuva, a água subiu pelo quintal porque as folhas da mesma jabuticabeira entupiram a tela do bueiro, a árvore do vizinho rachou e desabou diante dos seus olhos.

Salvaram-se todos, enfim.

“A chuva tem mudado... tá muito diferente a força, a quantidade de água que cai, muito tempo chovendo. Sei lá... esses ventos...”, diz um amigo com ar profético. Meu vizinho de frente também mostra sua estranheza: “Moro aqui há cinquenta anos e nunca havia visto isso. Não deste jeito”. A chuva de cerca de uma hora caiu na segunda-feira. Em frente a minha janela vejo a árvore do vizinho caída na calçada. Posso ver também a outra na esquina, e virando à direita, mais outra. Só no meu bairro foram cerca de vinte.

Nos dois dias que se seguiram o céu se enfureceu novamente. Ficou roxo, relampejou, trovejou, ventou. Adiei meus compromissos para correr até em casa e, para alívio geral, ficou nos pingos, naquela chuvinha que faz barulho gostoso lá fora, enquanto aqui dentro dá vontade de comer pão quentinho com manteiga derretendo com uma xícara de café com leite de queimar a língua. Ok, está bem, faz um calor danado, mas a imagem lá de fora e o ruído da chuva me reportam à infância, quando em tardes com esta saía café pelando do bule.

Gosto de chuva. Gosto de céu roxo. Gosto daquele vento amedrontador que antecede o cair das águas. Gosto de ficar assistindo a chuva pela janela, o efeito do vento, aquele barulhão de aguaceiro, os estrondos. Pena que tudo isso faz um senhor estrago, senão, torceria diariamente para ver tal espetáculo. É lindo!

Gosto de falar de chuva. De dormir e de acordar com chuva. De esperar pela chuva. Tenho inúmeras fotos de nuvens assustadoras, de todos os tipos; tenho filmes de relâmpagos feitos do quintal de casa. Apesar da correria que me causa um temporal iminente, adoro saber que vai chover. Fico exultante ao olhar furtivamente pela janela e ser surpreendida “Olha, tá chovendo..!”.

Pena que mudamos tanto o ambiente e por isso os estragos são cada vez maiores quando chove. Asfaltamos, cimentamos, ocupamos todos os espaços possíveis de absorção da água. Deixamos construir nos morros. Deixamos escavar encostas. As margens dos rios não são respeitadas, em nenhum aspecto. Jogamos lixo nas ruas. Ninguém liga pra isso, ambientalistas são todos uns chatos, né?, até a hora em que chove forte, ocorrem as tragédias (que ainda insistem em chamar de naturais), morre um bocado de gente, e aos desabrigados que sobram, as prefeituras têm que pagar um aluguel social (quando pagam). A mesma mesmice de sempre.

Vou continuar gostando de chuva. Ela tem seu lado ótimo. Infelizmente é trágica para muitos, mas ainda pode ser poética para tantos outros. Como a vida e a morte. Como aquela nuvem negra que vejo bem ali, apavorante, e que preciso parar pra fotografar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Oi amiga,
além de não pactuar com seu gosto pela chuva (tenho trauma de granizo), igualmente não fiquei satisfeito em você sair para fazer as fotos.
Me telefone. rsrsrsrsr
Calino.

Carol Bentes disse...

Nossa, tempo de chuva me trás esses mesmos sentimentos e lembranças. Adoro!

Elrisa disse...

Querida, tb gosto do barulho da chuva, de sentir o cheiro de terra molhada, mas me dói cenas como a que vivemos na quinta dia 19. Se na vila ficou assim, fico imaginando em outros locais "menos favorecidos". Fazemos tanto o errado e o "certo"é tão mais fácil. Veja as fotos no seu email. mandei algumas pra você.
Beijo carinhoso.