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21 de julho de 2025

Quando deito pra dormir

– ôôô, meu Deus, obrigada, mais um dia vencido! Mais um ou menos um? Sei lá, é difícil resolver isso e todo dia é a mesma dúvida. Caramba, meus pés estão doendo de frio e não esquentam, duas meias, que saco essas cobertas não estão embrulhando meus pés do jeito que eu preciso. Podia pegar outra meia, mas não vou, não, preguiça danada, agora que me ajeitei. Vai demorar a esquentar, mas daqui a pouco dá certo. Ai, meu quadril, desse jeito não dá, vou ter que virar pro outro lado. Melhor nem abrir os olhos, pra não despertar de vez. Despertar o quê, se nem relaxei pra dormir? Fica quieta, mulher, para essa cabeça. Pronto, parou, esquece o pé, não pensa, respira... Será se o marido vai demorar a vir dormir? Tá muito frio, amanhã ele vai reclamar de dor nas costas, no pescoço, meu pescoço também dói com frio e a lombar e os quadris e os joelhos, tô mais velha que o marido. Este ano queria fazer festa de aniversário, juntar gente, cantar parabéns, sempre tão difícil, vou ficar só na vontade e passar sozinha de novo com o marido, ô chatice essa data que eu nasci. Acabei fazendo a mesma coisa com meu filho coitado, onde será que ele vai passar aniversário este ano? Ele sempre some pra curtir sozinho, o mesmo problema da data, juntinho comigo. Vou acabar indo pro mesmo lugar, de novo, pelo menos é aniversário diante do mar. Será que vai dar pra levar minhas amigas à praia em julho? Sempre consigo ir, faz calor de dia, não é impossível. Tanta coisa pra organizar, preocupada com o carro que vai lotado, muita bagagem pra ficar lá em casa uma semana inteira. Para a cabeça! Não pensa. Respira. Já deve ter uma hora que tô aqui, que barulho é esse? Geladeira assombrada fazendo barulho novo, credo. Seis anos com ela e ainda não acostumei com os estalos de madrugada. E nem madrugada é ainda. Até a geladeira contra mim. Deve estar com raiva porque precisa de uma limpeza e eu com preguiça. Tô muito acelerada, acho que vou ter que tomar mais um comprimidinho. Não, vou continuar tentando. Para a cabeça! Não pensa. Isso, respira, continua assim, é desse jeito que se medita, sabia? Ah, não tenho talento pra meditar, não. E aquele vídeo engraçado ensinando a esvaziar a mente? Misericórdia! Ficava imaginando como seria o rosto dono daquela voz escorregadia feito uma flauta desafinada. Quem consegue meditar ouvindo aquilo? Credo. Minha amiga nunca mais voltou a tocar flauta, era tão linda se apresentando. Posso falar nada, também nunca mais passei meus dedos pelo teclado de um piano, vida que passa, que atropela, tinha que estudar, trabalhar, criar filho. Onde será que tá ele a essa hora? Não deu notícia essa semana, moleque abusado. Amanhã mando mensagem cedo, se der tempo, preciso dormir, meu Deus. Tenho que pular da cama muito cedo pra fazer meu exame. Car%$#@! Onde coloquei o pedido? O que fiz quando saí do consultório do médico? Botei o pedido na bolsa ou no envelope dos outros exames? Já faz tantos dias. Ih... troquei de bolsa nem sei quantas vezes. Não vai dar tempo de ver isso amanhã quando eu acordar. Nããããão! Agora, não vou ver nada. Tô tentando dormir. Raiva do marido. Já veio pra cama, já apagou e já tá roncando. Agora é que não durmo mesmo. Maridoooooo! Vira de lado, por favor. Pelo menos o potinho pra fazer xixi já tá no lugar certo, não vou esquecer de coletar. Será que o marido não mexeu? ai ai ai, só me falta isso. Ter que levar o material depois, porque não encontrou o pote. E vou ter que ir na farmácia pegar outro. Ah, não. Pego no laboratório mesmo, mas vou ter que passar na farmácia, de qualquer jeito. Preciso de mais protetores auriculares, escova de dente nova, remédio de pressão e o analgésico pra dor na lombar. Minhas costas... virar de novo pra ver se me ajeito melhor. Tinha mais uma coisa pra pegar na farmácia e não lembro o que é. Pronto, não durmo enquanto não lembrar. Eu não me aguento. Para a cabeça! Não pensa. Respira. Nariz entupiu de novo, cadê o neosoro? Era pra estar aqui, na beiradinha da mesa, putz, a diarista veio hoje e mudou meu remédio de lugar, vou ter que acender a luminária. Nããããão! Luz não! Achei. Maridoooooo! Ajeita a cabeça, por favor. Puxa vida, sei que eu ronco também, mas ele não acorda com ruído nenhum, enquanto eu definitivamente não durmo. Vou virar de novo e... calooooor! Onze graus, inacreditável meu estado, jogando as cobertas pra longe. Calma, respira quietinha, que passa. Não se mexe. Lembra quando brincava de Mandraque. Que Mandraque nada! Não aguento! Cadê o controle do ventilador? Também era pra estar ao lado do neosoro e não tá. Calor estúpido! Vou ter mesmo que ir na cozinha tomar o outro remédio e vai ser mais um tanto de tempo esperando fazer efeito, se fizer. Para a cabeça! Não pensa. Respira...

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