Quando procurei Divanize Carbonieri para pedir seu mais novo
livro, após as trocas de informações sobre preço e envio, ela escreveu: “espero
q vc não se assuste muito com o Nojo”. Do pouco que já havia lido a respeito,
nada se associava a essa fala. Assustar? Espero que não seja terror, pensei. Ou
suspense. Histórias de suspense me fazem mal.
O livro chegou e, ao ler a orelha de Malu Jimenez, sem ainda
folhear as páginas, mudei de expectativa – isso vai ser soco no estômago. “(...
o nojo provém dessa construção estética equivocada que nos diz que o habitual é
repulsivo (...) Ler Nojo é se constranger com a própria construção do que
significa ter corpo”.
Passei pelo prefácio, confesso, quase sem prestar muita
atenção, tamanha a minha curiosidade, e me deparei com o inusitado. Numa única
sentada, li Nojo do início ao fim. Impossível parar, pausar, impossível até
quase respirar, pois a narrativa simplesmente me arrastou.
O tema é mesmo chocante; é, sim, soco no estômago, porque
Divanize escancara em linguagem muito popular os desvarios aos quais nos
entregamos ao aceitar a normalização das mais absurdas exigências estéticas.
Desvario diante de nossos próprios corpos diante do espelho, desvario nas
decisões tomadas para mudar o que a ditadura da estética nos impõe como
perfeito, o desvario da palavra, quando a usamos contra todos os corpos, sejam
os nossos ou dos outros, todos os outros.
Dos comentários que li sobre o livro de Divanize, um deles
se refere “à personagem”. Pois não vi apenas uma personagem. Em Nojo parecem
haver meia dúzia de mulheres conversando, falando rápido, animadas ou
revoltadas, com raiva ou debochadas, criticando a si próprias e às demais, sempre
ácidas e afiadas – e eu à curta distância, assistindo. Pessoas comuns, de vidas
comuns, reproduzindo em palavras e expressões o que aprenderam a negar. Sua
barriga, seu cabelo, meu dedo, meu nariz, sua celulite, minha roupa amassada,
sua maquiagem, vulva rosa, vulva escura, você tá gorda, eu tô magra demais,
perna grossa, braço balançando.
Apesar da seriedade da crítica proposta, não pude me furtar
a muitas risadas em vários momentos, diante de comparações criadas para os
ditos “defeitos”, como dizer que o corpo parece um tigre de tão cheio de
estrias, ou afirmações como “quem gosta de curva é burro”, quando uma das
personagens enaltece o corpo magro, esguio, seco feito tábua, e garante que tal
condição estética é privilégio de intelectuais.
Lembrei de muitas situações vividas, eu mesma, com a mudança
do meu corpo depois de um câncer de mama. Lembrei também de situações presenciadas
e relatadas, como o caso de uma amiga cuja mãe teimava que sua barriga era
grande e feia e que tinha que “fazer alguma coisa pra acabar com isso aí”, até
que ela mesma, a mãe, comprou uma dessas cintas elétricas que não dão resultado
algum e deu pra filha. Sem consultar a filha, sem ser solicitada. A cinta,
jamais usada, se perdeu em meio a tralhas no fundo do armário, até a mãe pedir
de volta. “Sei que não tá usando, então me devolve, que vou dar pra Fulana”. Sem
também consultar a fulana, claro. Mãe vítima da sociedade vitimando a própria
filha.
Também penso em mim mesma, tantas vezes rendida ao péssimo
costume de apontar corpos, e agora sigo nessa reforma interna, à medida que me
educo e descubro o quanto de desamor há nesse tipo de comportamento. Desamor
por mim e pelos outros. Acomodação irrestrita nesse lugar que nos colocam e que
a gente aceita feito gado obediente, sem pensar, sem refletir. Apenas
reproduzindo os mugidos que chegam aos ouvidos. Em Nojo, Divanize Carbonieri
nos convida a sair desse lugar. No meu caso, sair rindo, porque realmente achei
bastante engraçado.
(Texto publicado originalmente em 2020)
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