Chegou menina-moça na fazenda para trabalhar e, ainda que
sem corpo de mulher pronta, deixava rastros de suspiros por onde transitava.
Diziam que era feita de café com leite e açúcar queimadinho, devido ao tom da
pele, e provocava lambidas de beiços na homarada, sem dar confiança para
ninguém. Porém, o patrão Firmino Neves foi o único a provar o sabor de café com
leite tão cobiçado em Encruzilhada do Cipó. Não apenas a tez morena, mas o
balançar dos quadris e a voz de criança faceira que cantarolava pelos corredores
nas tarefas diárias faziam o poderoso fazendeiro tremer de vontades. Firmino
Neves se considerava dono dos empregados e logo determinou para si que Dalmira
era sua pertença, sem se importar em quando lhe colocaria as mãos; seria apenas
questão de tempo. Aguardou a potra arisca se acalmar sem pressa, para aprimorar
a doma na cama; logo ficaria doce e fácil.
Assim, Dalmira se tornou mais uma entre as mancebas de
Firmino Neves. Ganhou uma casa sua e passou a receber cinquenta dinheiros por
dia para servir a seu senhor em meio aos lençóis e nos afazeres domésticos.
Fora comprada e “bem-paga”, do mesmo modo que as outras, mantidas em cada sede.
Dalmira cuidava pessoalmente da comida, das roupas, das botas, do quarto, dos
banhos. Era presenteada com vestidos, brincos, pulseiras, colares, fitas de
cabelo, teve a casa mobiliada e até um aparelho de som, no qual colocava suas
músicas preferidas para tocar e rodopiava pela sala, quando Firmino Neves não
estava ou não a chamava. Não levantava os olhos, respondia às ordens com ações,
quase não falava. Como a ninfa Eco, condenada à maldição de apenas repetir a
voz de Narciso, objeto de sua cupidez, alienava-se e enfurnava seus próprios
desejos. Estava sempre pronta, arrumada e perfumada, pois Firmino Neves cismava
de querer seus préstimos a qualquer hora.
Não teve criança; fora obrigada a entregar menino nascido ou
a botar fora a cria, logo que lhe atrasavam as regras. Nunca saiu da fazenda,
não conheceu parente. Nasceu criada, encarou a lida em troca de morar e comer,
tornou-se amante de Firmino Neves e nada soube de si.
— Conheço ninguém, não, senhora, a não ser os daqui. Fico
sozinha neste fim de mundo até morrer.
Sem pressa e em detalhes, Dalmira discorria acerca de seus
dias ao lado de Firmino Neves a uma jornalista lívida. A matéria, pensada
minuciosamente, contaria as experiências de mulheres do interior do país, que
atravessaram a vida sob o jugo de seus coronéis, servindo-lhes a própria carne.
A exemplo das amasiadas de Firmino Neves, muitas poderiam existir pelos cantões
do país, e a revista seguia atrás dessas histórias.
A personagem escolhida para a primeira reportagem da série
“Cama e Mesa” envelhecia rápido e prematuramente, contudo se conservava jovem
no gosto de se mostrar enfeitada, de sombra nos olhos, vestido florido de saia
rodada. A repórter acreditava que a trajetória de Dalmira seria perfeita para
sua pauta – saturada de dor e tormento, coagida pela dominação, pelo poder,
pelo dinheiro, pelo descaso de uma sociedade conivente com a submissão e
subserviência femininas. Alheou-se à entrevista, imaginando Dalmira infeliz,
dias e noites em claro, o anseio por ir embora, sumir dali, abandonar Firmino
Neves para ser livre, ao lado de alguém que a honrasse e construísse com ela
uma família em uma relação de amor.
— Saudade? – a repórter se deu conta de que escapulira em
devaneios – o que disse?
— Que sinto saudades de Firmino Neves, sinto falta do meu
homem.
— E o seu sofrimento nesse tempo todo? – perguntou a
repórter, confusa.
— Que sofrimento? A vida não me deu nada, não, dona; Firmino
Neves foi quem me deu tudo. Amei quieta, servi com gosto, recebi em troca mais
do que esperei. Felicidade era ter Firmino Neves. Agora que foi embora, resta
esperar minha vez e ir no encalço dele.
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