Estou morrendo. Definho um pouco por minuto, perco massa, líquidos, nutrientes. Tudo o que me compõe – ou compunha – se esvai de meu corpo cada vez mais rápido.
Ouço dizer que me amam, porém sinto
que apenas me exploram, usurpam, vilipendiam. Acho mesmo é que sou odiada.
Destroem a mim e a tudo o que
sou. Arrancam-me a vida, minha história. Deturpam como me constituí e
desqualificam minha magnitude. Duvidam da minha sensibilidade e de minhas
fraquezas.
Suja! Muito suja! Quem vem a mim
retira o que tenho e ainda me largam imunda!
Rolo de um lado a outro, por
vezes mudo de posição, tento me salvar sozinha, como já fui capaz em épocas
passadas. Agora, pisam-me sem piedade, tiram de mim e não me alimentam, bebem-me
e não me saciam a sede, introduzem-se em minhas entranhas e me viram as costas.
Há dias em que me revolto e
vomito; ou sofro e exponho sintomas das síndromes que me debilitam. Ponho fogo
na casa, berro, desespero. Peço socorro e consigo algum olhar de compaixão.
Olham-me; não me veem.
Tomam-me bens valiosos e dispõem
sobre mim coisas que não me pertencem – vai ficar mais bonita, mais eficiente,
mais isso ou aquilo. Não quero nada! Nunca quis! Não fui feita para ser adornada
ou destruída por quem quer apenas se servir e jogar fora – para mim, não existe
fora. Por isso estou virando uma latrina.
Não tenho sequer um plano de
saúde. Testaram vários e nenhum deu certo, por serem caros, por concluírem que
não valeria a pena. Custos altos ultrapassariam os ganhos imediatos, esses sim,
indispensáveis. Que plano de saúde existiria pra mim? Saúde pública, nem pensar,
pois querem mais é que me exploda.
Só que não se lembram, não sabem,
ou não se tocam que é grave minha condição. E quem de mim se serve, portanto,
morrerá comigo. As doenças que me contaminam, acometem os que me consomem.
Estou ficando feia, sem viço, sem
brilho, exceto em pontos esconsos que resistem, em órgãos que se ordenam por
conta própria para garantir minha sobrevivência.
No entanto, estou morrendo. Já
sufoco e mal consigo respirar. Não demora e acabo, assim, da noite para o dia.
Implodo, viro lama, fumaça e pó.
E se você leu esse lamento até
aqui e deu de ombros, é porque faz parte da quadrilha que me assassina dia a
dia e que irá se extinguir junto comigo.
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