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9 de março de 2025

Vitrine

Diante da vitrine ela cristaliza. Estática, vê a beleza estonteante exposta ali, bem à frente dos seus olhos, que se arregalam, ao mesmo tempo em que ganham um brilho ansioso, misto de desejo com uma admiração aniquilantes. Ela não pode, não deve, mas uma atração irresistível a toma por completo. O corpo arrepia, as pernas amolecem, a boca seca. A respiração ofegante avisa do perigo iminente. Já tivera a mesma sensação antes; por vezes, pode resistir, outras - muitas outras - não. E, ao sucumbir, quase sempre levou para casa algo de que se arrependeria mais tarde. No momento em que seus olhos se deparam com uma novidade daquelas, tão diferente, tão exótica, é praticamente impossível dar as costas e retomar o rumo, firmemente, com a plena consciência de que “não preciso disso para viver”. Porém, precisar ou não precisar não importa, não se trata simplesmente de virar as costas. É forte, é um impulso, quase um empurrão pra dentro da loja. Afinal, como ir embora e deixar tudo aquilo para trás? Tão especial que mistura charme, elegância, cor, luz, brilho, um movimento excêntrico, capaz de provocar olhares assaz curiosos, quando não de espanto. Lindo seria pouco para descrever seu objeto de desejo. Passa seriedade e é, ao mesmo tempo, gracioso. Um belíssimo exemplar. E ela pensa, num afã, “que louca não quereria um desse em casa”? Ela não pode, não deve. Poderia argumentar dezenas de motivos para não entrar, poderia listar em segundos quanto lhe custaria possuir algo tão excêntrico, poderia tão somente dizer para si: “Não!”. Mas ela não é capaz, a atração é maior que a resistência, e o suor frio nas mãos geladas lhe dão o sinal que esperava. É hora de decidir. E entra. Analisa-o por todos os lados, confirma que não fora enganada pelo brilho da vitrine. É lindo, excepcional, parece que a encara e diz “fui feito pra você”. O preço, caro. Olha mais uma vez. Volta a cabeça, finge procurar algo que não há por ali. Precisa ganhar tempo. Pensar. Pensar o quê, se já sabe que mais uma vez vai se entregar ao descontrole? “Vou levar!” Nesse momento um calafrio lhe ganha o corpo, quase não consegue puxar o ar. Vai até a porta, ainda está em tempo, pode sair correndo, o rosto está em brasa. E volta, encara-o novamente. Não sabe mais viver sem ele. Passa o cartão, guarda a carteira, prepara os braços. Em instantes está livre de toda a culpa que a consumiu nos minutos passados, fica feliz, excitada, exultante com sua aquisição. “Vai se chamar Caetano”. E sai da loja mais que satisfeita, levando no colo sua iguana.

 

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