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11 de março de 2025

Eu viro as costas

Daqui uns dias completo cinquenta e cinco anos nesta existência. Tempo que deu direitos mais que suficientes de me manifestar sobre certas questões; não apenas dizer, mas pensar, escolher. É de escolhas que venho falar. Já que em muitas situações não temos alternativas, podemos pelo menos aprender a aceitar ou não o que é imposto pelas circunstâncias.

A caminho dos sessenta posso afirmar que aprendi em anos de psicanálise que dizer ‘não’ é saudável e libertador. Aceitei de bom grado as vitórias, as conquistas, o conhecimento, o aprendizado, amores, amizades, filho, viagens, trabalho, profissões. No entanto também tive que me submeter às adversidades. Perdas pelas quais choro há anos; desemprego com filho pequeno e sozinha pra dar conta; relações tóxicas (inclusive dentro da família); um TDAH que me causou trocentos problemas por todos esses anos, só agora corretamente diagnosticado; um câncer de mama aos quarenta anos, que desconstruiu meu corpo, minha casa nesta vida, e me obrigou a reconstruir a alma com os cacos que sobraram, pra continuar meu percurso por aqui.

Todo esse combo me suavizou por um lado e me endureceu por outro. Portanto me sinto à vontade para dizer não a outras tantas situações, condições e pessoas. E digo ‘não’, firmemente, às pessoas sem caráter. Nesta fala, defino como ausência – ou desvio – de caráter a criatura que atraiçoa, abusa, intoxica, maldiz, dissimula, tem maldade no coração, mas aparenta doçura para conseguir o que quer a qualquer custo. Gente sem caráter não mede esforços para enaltecer o próprio umbigo, em detrimento do outro, da participação do outro, da colaboração do outro; gente que passa o trator por cima de quem quer que seja, ainda que machuque, adoeça ou mate.

A mim não importa quem seja ou de onde venha: mulher, homem, velho (“Canalhas também envelhecem”, né? Vide meu livro “Justa Causa”), LGBTQUIA+, pessoa com deficiência (Sim! Caráter não está no corpo), profissão, classe social... Não importa a cor da pele, etnia, raça, religião, time que torce. Não tolero e não tolerarei a canalhice da fala doce pela frente e a flexa atirada na minha nuca quando me viro. Não tolero e não tolerarei as cobranças por visibilidade dos próprios feitos, enquanto é vil, venal, desumano, infame, imoral, desonesto, hipócrita, sonso, mal, cruel. Eu digo ‘não’.

Viro as costas solenemente; me levanto, se sentar na minha mesa; viro a cara, se me olha; mudo de calçada, se vir em minha direção; desprezo.

Não sou espiritualmente evoluída para relevar, compreender, perdoar e ser generosa com gente mau-caráter. Não quero e não preciso ser benevolente com pessoas abjetas. Parabéns a quem consegue.

Por fim, não aceito cobranças, muito menos exigências dessas criaturas repugnantes e nem atendo aos apelos de quem as defende, seja por ingenuidade ou excesso de generosidade ou, sei lá, por má fé, por serem semelhantes. Até porque não cobro bom comportamento de ninguém e jamais vou permitir que me cobrem. Tenho muitas limitações, mas se tem algo que não tolero, de jeito nenhum, é gente mau-caráter. Era só isso.

(Texto publicado originalmente em 2023)

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