Estatelara-se no cimento quente da calçada em pleno sol do
meio-dia? Ou numa noite gelada, como a de hoje? “Dorme agora, é só o vento lá
fora”. Dorme o sono da morte, o tal sono eterno que lhe prometeu a religião durante
tantos anos?
Tentava imaginar o que haveria de semelhante nas vidas de
mulheres que decidiam sair de cena, como a moça que se atirara da janela do
quinto andar. Se seriam infelizes, humilhadas, rejeitadas, gordas demais,
magras demais, odiadas, cansadas, feias, fracassadas.
Ela se jogou. Atirou-se ao voo sem retorno. Que deleite!
Como sonhara com isso há tempos! Faltou-lhe coragem – ou covardia. “Para sair
da vida é preciso muita coragem. Para preferir morrer é preciso ser covarde”,
afirmou em voz alta, olhando seus pés descalços.
Recitava a letra diariamente, ouvia a mesma música sempre.
Repetia para si o verso e se imaginava como num filme, a deslizar no salto para
o nada, vestida numa camisola azul esvoaçante, a pressão do ar queimando-lhe a
face e o grito pavoroso e alucinado de quem se entrega ao vazio da morte.
“Ela se jogou da janela do quinto andar”.
Olhou para baixo, dos pés para o lado de fora da sacada. Estava
no sexto andar. Não havia mais alma perdida. O povo acorda cedo e sua angústia,
sua vontade de ir, sem jamais precisar vir, era só sua, cria da dor de todos os
dias e da solidão.
Os edifícios em silêncio, às escuras. Nem sinal das outras
vozes de outras mulheres que comumente ouvia, em prantos, aos berros, em
situação semelhante a sua, e que de repente calavam, após deixá-la aflita por
longos minutos, às vezes horas, a ponto de se ajoelhar em prece por elas.
A imensidão da cidade cobria a linha do horizonte e lhe dava
a dimensão da sua insignificância. Ninguém a conhecia, ninguém a enxergava,
ninguém a escutava. Sequer no seu corredor havia amigos.
Dor ou fantasia, fantasia ou desejo, desejo ou loucura. Queria
experimentar a sensação de se jogar à liberdade, ir, não voltar, sem se preocupar
ao ponto final da sua única aventura.
A música parou de tocar e seus devaneios foram
interrompidos. Atirou o cigarro com força, mas o vento o trouxe de volta. “Merda!”
Não queria acordar de manhã, não mais essa vez, passar por
tudo de novo e de novo e de novo. Respirou fundo. Precisava decidir e decidiu.
“Vou fazer mais um café. Amanhã troco a fechadura da porta e
aquele traste não volta mais aqui”.
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