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9 de março de 2025

A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas

É estupendo o livro “A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas”, da Maria José Silveira. Valeu a espera de meses, aguardando a nova edição, agora com um novo capítulo final.

Desde o nascimento de Inaiá, no mesmo momento em que aportavam por aqui as primeiras caravelas portuguesas, até os dias atuais, a história do Brasil é contada pela perspectiva de uma linhagem de mulheres.

Nenhuma romantização. As narrativas são realistas, dolorosas, alegres, apesar das dificuldades de cada época, tristes, trágicas, emocionantes.

Faz pensar muito nas teorias da ancestralidade, segundo as quais nossa carga genética traz aptidões, comportamentos, marcas físicas e emocionais das que vieram antes, não importa desde quando. E ainda assim, esquecemos quem somos, de quem e de onde viemos.

 “Quanto a Jacira, também lhe parecia natural a ideia de que o índio estava mais perto de um bicho do que deles. Essa geração de brasileiros, nem bem dois séculos tinham se passado e já havia por completo se esquecido de quem descendiam. Além de não reconhecidos como parentes, os índios eram temidos e, pior, desprezados”. Em apenas dois séculos, depois da invasão dos portugueses, os brasileiros resultantes da mistura entre brancos e índios não faziam mais ideia de sua ascendência. Brancos eram brancos, índios e animais eram a mesma coisa e pretos viriam a se tornar ‘peças’.

As heranças que passam de uma a outra, diretamente ou em gerações alternadas, aparecem sutil e suavemente na narrativa de Maria José Silveira: cabelos, olhos, tom da pele, beleza, sinais no corpo, temperamento, até lembranças – ou nostalgia. Hereditariedade que não está apenas nas características notáveis das personagens, mas também no perfil da mulher histórica.

“(Damiana) tem o dom de não fazer do passado um fardo e sim um cofre fechado, onde guardará para sempre seu tesouro de luz inextinguível”.

O dom de Damiana é nosso fardo de hoje. Esconder as dores do passado – e também do presente – num cofre, mais que virtude, é meio de sobrevivência, porque é preciso tocar em frente, apesar de.

No final, no capítulo inserido na edição atualizada, a deixa para que não esqueçamos que nossa história continua nas histórias das outras que virão. Emocionante.

Ainda em franca reflexão sobre essa obra magnífica, deixo aqui minha indicação para que não deixem de ler “A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas”. Leitura muito necessária.

Em tempo: revisão impecável.

(Texto publicado originalmente em 2018)

 

 

 

 

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