Todo dia 8 de março, ao entrar na sala, no setor de
comunicação, dava de cara com sorrisos de canto de boca, olhares de esguelha,
aguardando o momento em que eu ligaria meu computador.
Para esse dia especial, um outro setor do Lugar se esmerava
na “decoração” de nossas telas iniciais, em alusão ao Dia Internacional da
Mulher.
E era abrir minha área de trabalho e lá estavam rosas,
brilho dourado, muito fru-fru e aquela frase de efeito, que além de cafona era
de uma despolitização que me queimava de vergonha alheia.
Meus colegas de sala aguardavam ansiosos a minha reação,
aguardavam pra rir de mim, a única a se indignar com a pataquada, a total
desinformação que deveriam envergonhar o Lugar e todos os que trabalhavam ali.
E eles riam. Elas riam. A chefe ria.
Houve um ano em que fomos surpreendidas por um grupo de
mulheres vestidas de camponesas carregando cestos e, dentro deles, presentes
para as mulheres: maquiagens!
Sentia raiva, mas também me dava uma tristeza... uma
preguiça...
Às vezes dizia algo, outras vezes apenas cara feia e, mais
tarde, cansada e sozinha num ambiente em que não me cabia, silenciei.
No último ano em que trabalhei no Lugar, no dia 8 de março,
após a surpresinha nojentinha matinal, recebi um email da Grande Chefe, a dona
da poha toda, seríssima, caladona, osso duro de roer (acho que era a primeira
mulher a ocupar aquele posto em anos de existência do Lugar).
Os termos da mensagem eram mais ou menos assim:
“Bom dia, Giovana. Preciso que você crie um texto curto, de
poucas linhas, para que eu possa enviar às funcionárias do Lugar no dia de
hoje. Quero que seja você a fazer isso, com seu conhecimento do que significa
esta data.”
Quase chorei.
Não comentei com ninguém, elaborei o texto com o que pensava
ser necessário ser dito por uma pessoa da estatura da Grande Chefe às
funcionárias todas, de todas as classes sociais, etnias, religiões e tal.
Exatamente por ser mulher, me diminuí e ainda pensei: “Ela
não vai gostar, vai pedir pra mudar um monte de coisa...”.
Enviei o texto solicitado e poucos minutos depois todo o
Lugar estava recebendo a mensagem feita por mim, na íntegra, sem flores, sem
enfeitinho.
Não pude saber como foi o 8 de março seguinte, pois não
terminei aquele ano no Lugar. Sei por muito que vi de fora de lá, por um tempo,
que a cultura, a informação, o estudo, a pesquisa, o entendimento do mundo e da
história ainda vão demorar um bocado para alcançar homens e mulheres.
Porém em anos de trabalho no Lugar foi o primeiro e único Dia
Internacional da Mulher em que senti certo ânimo, esperança, por uma inciativa
simples de uma única pessoa que entendia, naquele universo enorme de gente, o
porquê de lembrarmos desta data tão importante e dolorosa.
A estrada é longa, ainda vamos esbarrar com muitas flores,
bombons e “Feliz Dia, Guerreira!” pela frente. O cansaço e a preguiça me vencem
na maioria das vezes, mas estou aqui, revelando esta história, querendo
acreditar que podemos mudar o rumo dessa prosa e que daqui a algum tempo não
precisaremos mais passar raiva com florezinhas chegando nos emails, zaps,
mensagens diretas etc.
Bora continuar na luta!
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