No ano de 2005, quando ousei expor meus textos pela primeira
vez, ganhei incentivo e injeção de coragem de uma pessoa próxima, muito
especial. Escrevia sempre à mão, a lápis, em cadernos e blocos – como ainda
faço – e, além de um empurrão ‘di cum força’ para seguir em frente, fui
presenteada com uma lapiseira Pentel 0,9mm. Quem, mesmo nos dias de hoje, ainda
escreve à mão e com frequência, deve entender a importância de ter a ferramenta
ideal para dar curso ao despejo de ideias numa folha de papel, sem pontas
quebradas e dedos cortados pelo estilete.
É minha companheira inseparável desde então. Quando não está
em uso, fica bem guardada na bolsa, junto com o caderninho de notas, dentro de um
estojo plástico fechado com zíper (como tudo que carrego pra lá e pra cá,
lapiseira e caderno também são devidamente acondicionados para serem bem
conservados, encontrados e transportados para outras bolsas com facilidade).
E eis que semana passada, ao abrir o estojo com uma
ideia pronta na cabeça... Cadê minha lapiseira?!
Bolsa revirada, todos os bolsos visitados, vira de cabeça
pra baixo, todas as bolsinhas e estojos abertos, tudo olhado, nada. Fiquei
vazia, sem graça, olhava para os lados e para a bolsa de novo, meio desconcertada.
Para não perder a ideia, anotei o que precisava mesmo à caneta, mas não aceitei
aquilo. “A minha lapiseira, não.”
Mas já havia feito, sim, apenas uma vez, mas fiz.
Dois anos atrás, após um briefing de um roteiro de vídeo
institucional com um cliente, saí às pressas, conversando, guardando bloco,
explicando possibilidades do texto, agendando o próximo encontro, e nem me dei
conta de que o cliente guardara minha lapiseira no bolso da camisa (parece que
todo engenheiro faz isso automaticamente, da mesma forma que um jornalista toma
uma caneta alheia como sua). Logo que cheguei em casa e a procurei, lembrei da
última vez que a vira e não pensei duas vezes. Enviei imediatamente um email ao
cliente explicando seu valor mais que estimativo e que necessitava dela de
volta. Porém só voltaríamos a nos encontrar dali a vinte dias e foi esse o
tempo de espera. O medo de perdê-la era tanto que, logo ao encontrar o cliente,
mal o cumprimentei, disse “pode me devolver minha lapiseira?”. Ah, que feio!
Mas essa sou eu, fazer o quê?
Desta vez foram três dias de vazio. Sério. A todo momento me
perguntava: “Onde eu deixei?”. Gavetas, porta-lápis, potes, bolsos, lixeiras,
armários, caixinhas, tudo foi revistado. Até uma lapiseira nova ganhei, por
consolo, mas queria a minha, aquela, tão significativa. Impossível não recordar
a crônica “Procura-se”, de Rubem Braga, em que ele implora pelo seu caderninho
de notas desaparecido. “Vou ter de me conformar, mas não quero me conformar”.
Até que meu filho, conhecedor dos meus lapsos de memória e sempre pronto a me
ajudar no exercício de recuperação, se colocou entre meu desânimo e a
possibilidade real de resolver o problema e acertou de primeira.
“Mãe, você não perderia esta lapiseira nunca! Vamos recapitular.
Olhou no fundo da bolsa?” “Olhei tudo. Virei de cabeça pra baixo...” “Trocou de
bolsa?” “Não, meu filho, desde que chegamos de viagem uso a mesma bolsa... a
não ser... peraí!” E a cabeça deu uma guinada de 360°; o motorzinho funcionou
em alta velocidade pra trás, dei um salto da cama e corri para o armário. “Não
troquei a bolsa de trabalho, mas saí com outras no fim de semana.” Bingo!
Coisa de maluco. Só mesmo alguém meio assim,
“igual que nem que eu”, faria algo semelhante. Criança que ganha brinquedo novo
perde longe da moleca que me transformei quando apalpei minha lapiseira no fundo
daquela bolsa que usei uma única vez. Está de volta ao seu lugar de sempre, ao
alcance da minha mão.
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3 comentários:
Puxa, por pouco me confundo com o personagem!
Dei-me conta que não tenho o bloquinho, que estou sempre pensando em providenciar, ideal para esses momentos. Ainda não o encontrei. Mas, confesso mesmo, que foi a inveja que me fez cair na real. Tenho a lapiseira, mesmo não sendo de estimação, e que carrego comigo. Mas, aquela bolsa... que acomoda esses apetrechos especiais. Ah... essa sim, me faz uma grande falta e me causa inveja. Também, não sou jornalista bem sucedida, meiga, alegre, simpática e de bem com a vida, como posso ser eu o personagem? Inclusive, não tenho bolsa que facilitaria toda a minha vida. Sou obrigado a usar uma pasta, se quiser, pouco delicada, que mais atrapalha do que ajuda. Prefiro usar somente nos casos indispensáveis.
Que essa lapiseira seja utilizada por muitos, muitos anos ainda.
Do meu amigo Carlos Roberto, por email:
"Boa tarde Giovana.
Um dia de muita luz e paz.
Foi um certo conforto para mim, ler o seu texto.
Estou sempre sendo recriminado por usar a minha lapiseira Pentel preta 0,5 mm, minha companheira de todos os dias.
Só fã de cadernos, blocos e agenda, como gosto de escrever, parece que a gente coloca o sentimento no escrever.
Parabéns.
Show de bola o texto.
Agora mais feliz, por saber que não sou o único que usa lapiseira, cadernos, blocos e agendas.
Afinal de contas, escrever é uma mágica, uma arte de desenhar letras num papel e fazer uma história."
Olá!
Como sempre mandando bem!
Sou um grande fã de suas crônicas.
Um grande abraço.
http://didimogusmao.blogspot.com.br/2012/07/cronica-historia-de-adao-e-eva-autor.html#comment-form
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