Páginas

27 de fevereiro de 2012

Ficção com uma pitada de vida real


Mais uma premiação do Oscar com todo o seu ti-ti-ti e, confesso, andei meio abandonada de cinema nos últimos meses. Tanto que há poucos dias, ao ver anunciado o Cisne Negro num canal por assinatura, me programei para assistir. É um dos premiados do ano passado que não tive o prazer de ver. Prazer mesmo.

Não pretendo discorrer sobre o filme que rendeu a estatueta de melhor atriz à Nicole Portman, nem sobre plasticidade, direção e tal. Tudo sobre isso já foi dito aí pra trás. Minha surpresa, ao acompanhar aquela história toda, foi constatar que a gente vivencia pressões semelhantes as da personagem Nina e nem se dá conta. Pior é que muitas histórias reais acabam por ter o mesmo fim trágico e a vida continua seguindo.

Nina é uma bailarina que tem ideia fixa na perfeição e sofre efeitos psicológicos bizarros por se sentir pressionada (ou por se pressionar excessivamente). Ela está sendo preparada para assumir o duplo papel principal no espetáculo O lago dos cisnes, ou seja, os cisnes branco e negro. Mas tem dificuldade para incorporar o cisne negro. Nina é doce, ingênua, tecnicamente correta nos movimentos, porém o cisne negro exige mais leveza, liberdade, sensualidade. Além disso, em casa convive com uma mãe superprotetora, que bloqueia suas tentativas de desenvolver a porção mulher necessária à composição da personagem. Há ainda uma concorrente que ameaça seu lugar. E o diretor Darren Aronofsky nos apresenta esse conflito de superação dos limites emocionais e físicos de forma quase literal.

Mesmo inconsciente o ser humano busca essa perfeição inatingível a todo instante que pode, sim, levar à insanidade. Vive uma disputa constante com quem está ao lado, seja no trabalho, em relações com amigos, até mesmo em família, e na maioria das vezes nem ele sabe disso. Sofre, se corrói, tem ansiedade, se deprime, cria doenças físicas e psíquicas, se entope de remédios (ou não). Às vezes se cura, mas pode passar a vida inteira desse jeito, já que tem os olhos bem fechados para a verdadeira origem de tanto sofrimento.

Estava mergulhada num momento de profunda angústia quando assisti a Cisne Negro e a história de Nina me deu um estalo. Estou aprendendo a olhar para dentro e observar o que sinto e o que faço dos meus sentimentos, e o filme me deu a percepção exata do quanto ainda posso fazer mal a mim, por me permitir cegar por pressões internas, externas e culpas variadas. E levei um ops. Quero não; posso não.


(Publicado originalmente no jornal Volta Cultural - fevereiro/2012)
.

Um comentário:

Carol Cunha disse...

Já vi o filme e tb me impactei. A uma, pois adoro Natalie Portman; a duas, pois este tipo de drama é a minha cara (e, em parte, uma das representações da minha vida). Tb tenho tendência forte ao perfeccionismo e, logo, à melancolia e angústia Uma vez que a perfeição não existe, a frustração é imanente.
No nosso "vivendo e aprendendo" de todo dia vamos aparando arestas, equalizando o emocional e nos aceitando mais, com falhas e mudanças de planos; com coragem para assumir o que se é.

Afinal, como bem diz Amarante..."Ora, se não sou eu quem mais vai decidir
o que é bom pra mim?"

Grande beijo
Ótimo texto!!