Para um primeiro romance, dá gosto ver a ousadia de Leïla em
tocar de modo tão descarado num grande tabu: a compulsão sexual vivida por uma
mulher. Não a compulsão apenas como desejo, em função de uma existência sem
graça e sem prazer nenhum ou por causa da rotina com um marido que não faz sexo
e quando o faz, é um “sexo quadrado”, quase no sentido geométrico. Trata-se da
compulsão como doença emocional/psíquica.
Passei o livro todo entendendo o comportamento de Adèle como
uma explosão de emoções represadas, para depois compreender o comportamento doentio,
como o de qualquer paciente viciado, dependente.
Sim, claro, vítima do machismo, que a expõe à sexualidade
muito cedo; da sociedade que exclui mulheres, principalmente pobres; do
casamento por comodidade; da falta de sentido em tudo isso e em todo o resto. Adèle
acumula desejos, acumula uma bomba sexual, que nunca explode; se retroalimenta.
Não só busca a satisfação do seu apetite, como se machuca e se deixa machucar.
Por outro lado, há o marido, que também carrega uma
fragilidade emocional ou uma doença psicossocial qualquer. Não gosta de sexo, jamais
se abriu para as diversões sexuais, sequer curte o assunto entre amigos e se
casou somente para ter uma família convencional.
A narrativa da Leïla Slimani é primorosa. Frases curtas,
secas, diretas, porém não permite desgrudar os olhos. Tem habilidade rara para
passar pelos tempos diversos da narrativa, que vai e volta e leva o leitor a
conhecer os meandros da história em seus vários aspectos, que influenciam ou
irão influenciar os personagens até o desfecho. Em Canção de Ninar, a autora
inicia a narrativa pelo fim e retorna no tempo, até a história culminar com a
cena descrita na primeira página.
O desfecho de “O Jardim do Ogro” me lançou no rosto uma
enorme interrogação, a ponto de voltar uma página e mais outra página, com o
sentimento de “acho que perdi alguma coisa” para, em seguida, soltar um suspiro
e dizer: “Ah! Isso é Leïla Slimani!”
(Texto publicado originalmente em 2020)
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