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9 de março de 2025

No Jardim do Ogro

Ela pode chocar, mas não surpreende. Não pelo tema. “No Jardim do Ogro” (Tusquets, 2014) é o primeiro romance de Leïla Slimani, embora “Canção de Ninar”, de 2016, tenha sido seu livro de estreia, com boa recepção por leitores brasileiros. Entre os dois, prefiro “Canção de Ninar”.

Para um primeiro romance, dá gosto ver a ousadia de Leïla em tocar de modo tão descarado num grande tabu: a compulsão sexual vivida por uma mulher. Não a compulsão apenas como desejo, em função de uma existência sem graça e sem prazer nenhum ou por causa da rotina com um marido que não faz sexo e quando o faz, é um “sexo quadrado”, quase no sentido geométrico. Trata-se da compulsão como doença emocional/psíquica.

Passei o livro todo entendendo o comportamento de Adèle como uma explosão de emoções represadas, para depois compreender o comportamento doentio, como o de qualquer paciente viciado, dependente.

Sim, claro, vítima do machismo, que a expõe à sexualidade muito cedo; da sociedade que exclui mulheres, principalmente pobres; do casamento por comodidade; da falta de sentido em tudo isso e em todo o resto. Adèle acumula desejos, acumula uma bomba sexual, que nunca explode; se retroalimenta. Não só busca a satisfação do seu apetite, como se machuca e se deixa machucar.

Por outro lado, há o marido, que também carrega uma fragilidade emocional ou uma doença psicossocial qualquer. Não gosta de sexo, jamais se abriu para as diversões sexuais, sequer curte o assunto entre amigos e se casou somente para ter uma família convencional.

A narrativa da Leïla Slimani é primorosa. Frases curtas, secas, diretas, porém não permite desgrudar os olhos. Tem habilidade rara para passar pelos tempos diversos da narrativa, que vai e volta e leva o leitor a conhecer os meandros da história em seus vários aspectos, que influenciam ou irão influenciar os personagens até o desfecho. Em Canção de Ninar, a autora inicia a narrativa pelo fim e retorna no tempo, até a história culminar com a cena descrita na primeira página.

O desfecho de “O Jardim do Ogro” me lançou no rosto uma enorme interrogação, a ponto de voltar uma página e mais outra página, com o sentimento de “acho que perdi alguma coisa” para, em seguida, soltar um suspiro e dizer: “Ah! Isso é Leïla Slimani!”

(Texto publicado originalmente em 2020)

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