Com a prática da meditação e de olhar pro meu interior, adquiri
autoconhecimento. Como é bom me conhecer!
Meus chacras estão alinhados e não permito que se desalinhem.
Desenvolvi os bons sentimentos, os bons desejos, mantenho
meus pensamentos elevados.
Acendo incensos em todos os cômodos da casa, para que as
fragrâncias espantem as consciências negativas que porventura passem por aqui.
Diante dos meus altares, me conecto com energias espirituais
e com elas converso, me sinto protegido, seguro.
Estou todo o tempo conectado com o meu divino, meu corpo e
meu espírito são cada vez mais leves.
Me vigio permanentemente, tento corrigir os meus erros ou o
que penso que sejam os meus erros.
A tudo digo gratidão; a todos desejo luz.
Quando me deito à noite, eu-corpo repouso e eu-espírito
viajo e danço em harmonia com o cosmos.
Estou sempre equilibrado, porque busquei minha
espiritualidade, busquei profundamente esse encontro com meu eu espiritual.
Estou em paz.
Por isso, o mundo a minha volta não me interessa.
Não quero saber do mundo.
Não quero saber do país.
Não quero saber de política.
Não quero saber.
Se souber dessas coisas, se me der conta de tudo o que
acontece ao meu redor, perco a minha paz, perco a minha serenidade e meu
equilíbrio espiritual.
Prefiro não saber que há 17 milhões de pessoas passando fome
no país.
Prefiro não saber que uma mulher morreu queimada, após
tentar cozinhar com álcool, porque não tinha dinheiro pra comprar gás.
Prefiro não saber que existe racismo no Brasil; não quero
enfrentar a realidade da população negra, que permanece alvo de assassinatos
diários.
Prefiro esquecer que meu país é o que mais mata LGBTQIA+ no
mundo.
Prefiro esquecer que a cada seis horas e meia morre uma
mulher vítima de feminicídio.
Prefiro esquecer que a cada duas horas ocorre uma denúncia
de estupro de uma menina menor de 14 anos.
Assim como não quero nem imaginar que existe um genocídio em
curso no meu país, em que setecentas mil pessoas morrerem por descaso; até
aproveitei o isolamento da pandemia pra me trancar em casa e orar, mas sem
acompanhar as notícias (isso nunca!).
Porque não posso perder a minha paz.
Não preciso saber que a gasolina está mais de 7,00, pois nem
tenho carro.
Não preciso saber que há mais de quatorze milhões de
desempregados. Já sou aposentado e risco de desemprego não me apavora mais.
Não preciso saber que poderia ajudar de alguma forma, que
aqui na minha cidade, bem perto de mim, há vários movimentos pedindo ajuda pra
pagar aluguel e dar de comer a muitas famílias que estão na miséria. Já tem
bastante gente ajudando, né?
Não posso me aproximar de nada disso, senão minha
espiritualidade vai ser abalada, então prefiro ficar aqui quietinho, diante dos
meus altares, conectado com meu divino, enquanto o mundo a minha volta pode desabar,
enquanto lá fora o país pode afundar, fora de mim, enquanto milhares de pessoas
devem estar sofrendo por carências materiais, de saúde, de casa, de comida, de
acolhimento.
Não tenho nada a ver com isso. Importante é garantir que meu
eu espiritual se mantenha como está.
Trabalhei duro pela minha reforma íntima, cresci
espiritualmente, investi minha vida em desenvolvimento pessoal, tantas horas e
horas e dias e semanas olhando pra dentro...
Se prestar atenção a tudo o que acontece, desarmonizo meus
chacras, posso surtar de preocupações, serei alcançado pelas energias negativas
que vêm dessas notícias todas, o que vai ser de mim?
Então, vou ficando por aqui, calminho no meu canto,
espiritualizado, leve, quase levitando, em harmonia com o universo. Nada vai
tirar a paz que conquistei. Somaisêu.
(Texto publicado originalmente em 2021)
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